Projeto ambiental polêmico prevê instalação de um pier na praia da Macumba

//Projeto ambiental polêmico prevê instalação de um pier na praia da Macumba

Projeto ambiental polêmico prevê instalação de um pier na praia da Macumba

2018-10-22T08:44:08-03:0015/10/2017|Editorial|

Cartões-postais da região, as praias podem ter seu horizonte transformado, caso vá adiante um projeto que está sendo desenvolvido pela Câmara Comunitária da Barra da Tijuca (CCBT) cuja pretensão é revitalizar dois dos pontos mais famosos que compõem a paisagem oceânica: além da extensão do píer do Quebra-Mar da Barra, próximo ao Canal da Joatinga, o estudo prevê a instalação de outro na Praia da Macumba. A iniciativa, segundo seus idealizadores, ajudaria a reduzir a poluição da orla na Baixada de Jacarepaguá, e teria financiamento privado. Em ambos os casos, as estruturas abrigariam também estabelecimentos comerciais, fomentando o turismo no entorno das praias. A CCBT acredita que tais polos, somados à melhora na qualidade da água, serviriam para atrair mais visitantes ao local.

Por se tratar de uma região urbana, plana e rasa, a Baixada de Jacarepaguá fica exposta regularmente a agentes climáticos como chuvas torrenciais de verão e ressacas de inverno, que potencializam o risco de enchentes nas áreas do entorno, explica o engenheiro e oceanógrafo David Zee, morador da Barra e vice-presidente da CCBT. Em consequência da ocupação desordenada que ocorreu ao longo dos anos nas encostas, diariamente rios e lagoas da região recebem sedimentos como argila, areia e lixo residencial. Atualmente, diz Zee, o escoamento das águas estagnadas é feito pelo Canal da Joatinga, a leste, e o de Sernambetiba, a oeste, em direção ao mar. Mas, devido ao acúmulo excessivo de resíduos, a saída dos canais acaba ficando assoreada. Com o projeto, a ideia é que esse processo seja facilitado.

— A partir do momento em que estendermos o Quebra-Mar e fizermos as intervenções na Macumba, criaremos uma pedra fundamental de recuperação do complexo lagunar da região. Como os dois locais têm alta visibilidade, a sociedade vai perceber logo os benefícios, o retorno direto em termos de qualidade de vida, e verá que essas obras têm grande valor — afirma Zee, que concebeu o projeto após colher sugestões de outros membros da diretoria da CCBT.

De acordo com ele, o prolongamento do píer na Joatinga ajudaria a impedir o assoreamento da abertura do canal porque toda a poluição que hoje vai para a praia seria lançada mar adentro, mais longe, onde há mais profundidade. Uma curva ao fim da extensão serviria para fechar a área de tal modo que reduziria a intensidade do fluxo das ondas, o que faria com que as embarcações enfrentassem menos riscos de acidentes ao sair pelo canal, e onde haveria espaço para a criação de uma marina.

Zee prevê, ainda, que o Quebra-Mar ganhe estabelecimentos comerciais, tornando-se assim um polo turístico mais atraente. O mesmo aconteceria na Praia da Macumba, onde a constante ação erosiva tem causado o encurtamento da faixa de areia em dias de ressaca — e, como aconteceu há duas semanas, na invasão e na destruição do calçadão. A proposta para o Canal de Sernambetiba segue o mesmo princípio da imaginada para o Canal da Joatinga: a área sofre com a poluição oriunda do despejo de esgoto muito próximo à orla, explica Zee, e a construção de um píer reduziria os danos ao meio ambiente, recuperando o potencial da praia. Nos dois pontos da orla, diz o oceanógrafo, haveria extensão das faixas de areia. Para tanto, seria usado material hoje já depositado nos dois canais, que seria retirado por meio de dragagem:

— Durante o ano, a areia é jogada para um lado e para o outro, mas, encontrando esse entroncamento robusto, ela ficaria presa às pedras, como hoje já fica, embora em menor escala. Sem contar que, quando se cria um píer dessa dimensão, o prolongamento por si só já faz com que mais areia se acumule naturalmente próximo à estrutura.

Não é a primeira vez que um projeto de extensão do píer do Quebra-Mar é ventilado. Em 2012, uma proposta de obras de dragagem do Complexo Lagunar da Barra e Jacarepaguá, prevista no caderno de encargos da Olimpíada de 2016, foi desenvolvida pela Secretaria de Estado do Ambiente, com custo previsto de R$ 633 milhões, e já incluía a medida. A secretaria informou ao GLOBO-Barra, no entanto, que o contrato para a realização das obras foi suspenso, devido à crise financeira do estado. Já no ano passado, a prefeitura encomendou um projeto de Operação Urbano Consorciada (OUC) para as Vargens, e um consórcio formado pelas construtoras Odebrecht e pela Queiroz Galvão apresentou um estudo no qual estavam previstas várias obras urbanísticas na região, entre elas a instalação de um píer na Praia da Macumba, para possibilitar a navegação dos canais e diminuir a poluição do mar. A administração atual, porém, não deu continuidade à ideia.

Discutido há cerca de quatro meses, o projeto da CCBT está atualmente na fase de estudos de viabilidade, e ainda não tem previsão orçamentária, explica Zee. Segundo ele, a ideia, a princípio, seria atrair empresários interessados em financiar o empreendimento, enquanto o poder público ficaria responsável apenas por examinar os aspectos legais do processo, como a emissão das licenças ambientais necessárias. O retorno financeiro viria a longo prazo, de acordo com os investimentos realizados. Na percepção do oceaonógrafo, a sociedade seria um terceiro agente, com papel de fiscalização:

— Juntaríamos os três setores da sociedade: o privado, que pode explorar o potencial econômico da área; o estado, que entra com a regulação; e a sociedade, responsável por fiscalizar os resultados.

Especialistas têm críticas a plano

Tanto na Praia da Macumba como no Quebra-Mar, Zee acredita que os empreendimentos trariam, como consequência, o surgimento de mais opções de lazer para os turistas. Haveria espaço, por exemplo, para se criar uma marina, possibilitando o desenvolvimento de um polo de turismo náutico, com visitas às ilhas próximas à orla ou mergulhos subaquáticos para conhecer a vida marinha no entorno da praia. Sobre os píeres, Zee sustenta que seria possível instalar restaurantes ou ancoradouros para embarcações que levariam os visitantes para fazer pescas oceânicas.

— Percebemos que, para revitalizar a economia dessa região, temos que desenvolver sua principal vocação, que é o turismo. Mas tem que ser um turismo qualificado. Porque uma coisa é o visitante chegar aqui na praia, dar um mergulho e usar o quiosque. Outra é ele querer visitar as ilhas ali em frente e ter um barco que o leve até lá para uma excursão — argumenta.

Os esportes relacionados à natureza — como kitesurfe, stand up paddle e surfe — seriam outro segmento que poderia ganhar espaço: em vez da erosão na orla que resulta do intenso movimento das ondas, o menor fluxo de águas significaria mais areia retida na praia e, consequentemente, ondas mais adequadas às práticas esportivas. Zee lembra, ainda, que muitos surfistas deixaram de frequentar a praia devido à poluição. Para dar conta do maior fluxo de frequentadores, ele imagina a construção de um estacionamento:

— Com a infraestrutura adequada, o turista que vem à Barra pode parar o carro, ir num dia às ilhas; no outro, fazer um mergulho; e, no terceiro, andar de stand up ou aprender a surfar. Podemos eventualmente até fazer um shopping voltado especificamente para esportes da natureza e a parte náutica.

Mais cético, o engenheiro sanitário e professor da Uerj Adacto Ottoni questiona o projeto. Diz que, além de se tratar de uma obra com previsão de custo muito elevado, é preciso que haja uma série de estudos ambientais antes que ela seja realizada.

— Pensar que a poluição não vai voltar para a praia é uma ilusão. Na verdade, é justamente esse assoreamento nas embocaduras que forma uma retenção natural capaz de segurar o que eventualmente vaza para o mar. A não ser que haja uma previsão mais clara sobre os impactos que vai gerar na natureza, isso pode acabar piorando a balneabilidade das praias, que são os tesouros da região — sustenta.

Contratado pelo consórcio que concebeu o projeto para a OUC das Vargens — do qual Zee também participou —, o biólogo Mario Moscatelli alerta que, se a proposta não incluir um plano de saneamento na bacia hidrográfica das lagoas, o risco de poluição na orla permanecerá.

— Primeiro, é preciso implementar um programa de urbanização das áreas ocupadas nas encostas. Só depois vem a dragagem dessas águas. Então, aí sim, entra o prolongamento do píer — pondera.

Assim como Moscatelli, Ottoni acredita que o projeto é apenas parte da solução:

— Não sou contrário à extensão do píer, mas não é uma obra simples, nem barata, muito menos prioritária. Por que não botam essa dezena de milhões de reais para solucionar o problema de saúde das lagoas?

Fonte: O Globo15